Existe uma tradição em algumas cidades do interior de Portugal chamada ‘Ir às vozes”. As jovens, perante alguma indagação existencial ou afetiva, saem de sua casa, tampam os ouvidos com as mãos e somente os descobrem quando estão em meio à praça principal da cidade.
A primeira palavra ou frase que ouvem é considerada a resposta de sua indagação. Analogamente, esta série de imagens de Dimitri Lee é uma espécie de “Ir às vozes” no DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), localizado na Rua Tutóia, 921, na Vila Mariana, em São Paulo, SP.
O órgão, subordinado ao Exército, atuou na repressão do governo brasileiro durante a ditadura que se seguiu ao golpe militar de 1964, com violência, torturas e mortes. Ir às vozes, nesse contexto é um mergulho no silêncio daqueles que não podem mais falar. Trata-se de um ouvir o silêncio do que sobrou dessa trágica história.
Fotografias do atual estado do local ganham um novo olhar pela mescla com imagens, utilizadas com a devida autorização, de pessoas que habitaram o ambiente e sofreram agressões físicas e psicológicas. São seres humanos que não contam o que ali aconteceu por não estarem vivos ou por emocionalmente não conseguirem expressar sua dor.
As imagens dão voz a quem foi calado, está silencioso ou não pode falar. A privação historicamente imposta de falar, de publicar, de escrever ou de se pronunciar dá às imagens deste projeto novas dimensões. O espaço em parte destruído é a amarga cenografia de rostos sutilmente distribuídos por pisos, paredes, portas e corredores.
Linhas de luz que vêm dos espaços externos compõem um discurso que não tem som. A voz dele se dá na capacidade de quem vê. As imagens apresentadas trazem à luz uma jornada pelo silêncio. É um “Ir às Vozes” de olhos fechados até que eles são abertos perante um ambiente hoje despedaçado que a muitos destruiu.
Cada fotografia, nesse contexto, torna-se uma fala, um passado que se torna presente na direção de que aquilo que aconteceu não se repita em futuros próximos ou distantes. As imagens que alguns veem como fantasmas no espaço são memórias que gritam para não serem esquecidas.
Oscar D’Ambrosio
@oscardambrosioinsta
Pós-Doutor e Doutor em Educação, Arte e História da Cultura, Mestre em Artes Visuais, jornalista, crítico de arte e curador.